Em conversa com a pesquisadora Raphaelle Batista, alunos da disciplina de Transformações no Mundo do Trabalho dos Jornalistas discutem sobre as novas realidades do da profissão
Em janeiro de 2022, o Sistema Verdes Mares (SVM) anunciou a demissão de mais de 10 jornalistas. Dentre os que foram desligados estão Wânyffer Monteiro, que era repórter da TV Verdes Mares, Paulo Sadat, repórter da TV Diário e o veterano e premiado Melquíades Júnior, responsável, dentre muitas produções, por denunciar as mortes de agricultores cearenses por envenenamento de agrotóxicos na série “Viúvas do Veneno”.
O ocorrido pode gerar espanto, mas, infelizmente, não é algo incomum. Em 2017, uma demissão em massa atingiu o SVM três dias após entrar em vigor a Lei 13.467/2017, que trouxe drásticas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O fenômeno das demissões coletivas é conhecido como "passaralho". Para as pesquisadoras Naiana Rodrigues, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e Raphaelle Batista, doutoranda em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), estes passaralhos surgem maquiados de um modelo de gestão downsizing, onde o investimento em mão de obra humana é preterido sob a justificativa de investimento em novas tecnologias.
Uma das consequências mais diretas da gestão downsizing é o surgimento de jornalistas polivalentes, os famosos "faz-tudo". A jornalista Angélica Lúcio resumiu este profissional a alguém que "pauta a si próprio, apura, redige, fotografa, filma, edita, publica... mas sem a devida remuneração ou condições de trabalho ideais". Sob esta ótica, Batista fala da questão de o jornalista ter que ser um profissional 24 horas por dia, tendo que criar uma confiabilidade em torno de si mesmo, através de seus perfis em redes sociais. Isto acaba por criar uma proximidade com o público, funcionando como uma vitrine onde a credibilidade é vendida. Porém, os únicos beneficiários deste discurso abertamente neoliberal são as empresas, não os empregados.
Além disso, outra consequência se mostra na questão das horas trabalhadas. A pesquisa do Perfil do Jornalista Brasileiro de 2021, feita pela UFSC, mostrou que mais de 42% dos jornalistas trabalham mais de 8 horas por dia. Deste total, quase 30% trabalham 11 ou mais horas por dia. Somado a isso, está o medo constante de ser uma vítima dos passaralhos. O conceito de "exército de reserva", do filósofo alemão Karl Marx, mostra-se cada vez mais tangível com a crença de que ninguém é insubstituível.
Na rotina das redações, o tempo também se mostra vilão dos jornalistas. Quanto mais tempo se tem, melhor se consegue desenvolver um trabalho, e o inverso também se aplica. Porém, devido à alta demanda de coberturas jornalísticas instantâneas, as métricas ditadas pelas grandes corporações do meio digital (Google, Meta, Apple, Amazon e Microsoft) acabam por interferir no editorial das produções. Isto impacta diretamente na qualidade e na profundidade dos produtos do jornalismo. Matérias rápidas, com temas ditados pelos algoritmos e pelas métricas geram maior audiência e rentabilidade para a empresa, ante um texto trabalhado, bem planejado e bem executado.
O corpo reclama
Nos últimos anos, a questão da saúde mental e física tem se tornado pauta importante nos ambientes de trabalho, mas o jornalismo tem andado na contramão desta tendência. A pesquisa do Perfil do Jornalista Brasileiro aponta que mais de 80% dos jornalistas sofrem com estresse e dores no corpo. A tristeza acomete cerca de 70% dos profissionais da comunicação. Vale destacar que o Relatório Mundial da Felicidade, que lista os povos mais felizes do mundo, mostra que o Brasil caiu da 17ª colocação, em 2016, para a 35ª colocação em 2021.
Ainda conforme o inquérito nacional, 53% dos profissionais relatam alterações no apetite e quase 47% declararam sofrer com alterações de sono e casos de agressividade. Entre os que informaram variações na fome, 32% revelam sentir raras mudanças na alimentação, enquanto as confusões no adormecimento afetam com frequência três em cada dez entrevistados. A agressividade aparece como distúrbio menos comum, onde mais da metade (52%) dizem ter poucos, ou nenhum caso desse indicador.
Vista grossa
Em meio a toda esta precarização do trabalho, os preconceitos estruturais se mostram presentes. Textos ancorados nos discursos da objetividade e da imparcialidade encobrem narrativas e pontos de vista racistas, machistas e colonizadores, como a preferência pelas declarações da polícia ante as de grupos considerados minoritários, reforçando a ideia de que a história é contada apenas pelos ditos “vencedores”.
Este texto integra a segunda edição da newsletter Eu, Você e Nós, produção da disciplina Transformações no Mundo do Trabalho dos Jornalistas, ministrada em 2022.2 pela professora Naiana Rodrigues, com apoio da estagiária de docência Lorena Marcello (PPGCOM-UFC).
コメント