Este texto integra a primeira edição da newsletter Eu, Você e Nós, produção da disciplina Transformações no Mundo do Trabalho dos Jornalistas, ministrada em 2022.2 pela professora Naiana Rodrigues, com apoio da estagiária de docência Lorena Marcello (PPGCOM-UFC).
Os meios de comunicação estão em constante renovação, seja pela atualização de dispositivos já existentes, seja pelo surgimento de novas tecnologias. Apesar de as transformações jornalísticas não se resumirem às novidades tecnológicas, elas estão na epiderme do jornalismo, visíveis em termos como “engajamento”, “cliques” e “likes” que fazem, hoje, parte indissociável da produção jornalística. Palavras que expressam práticas impensáveis até poucas décadas atrás, e sinalizam uma tendência progressiva de transição do modelo impresso para o digital. Nesse cenário de mudanças, a habilidade de navegar pelos mais diversos tipos de mídia se apresenta como essencial aos profissionais da área, tanto para os veteranos quanto para os novatos.
A convergência midiática e seu impacto foram vividos por Erilene Firmino (foto), 56 anos, principalmente a partir da segunda metade dos anos 2000. Formada desde 1992, a jornalista, que à época trabalhava na redação, relata que o início do processo foi marcado pela falta de clareza de informações. Por estar habituada ao modelo tradicional, sentiu dificuldade de se adaptar às novas tecnologias. “Era a sensação de já não ter mais função para a gente ali: foram deixando a gente parado e promovendo os novos que entraram pelo portal (...). É como se toda a experiência que tínhamos em fazer notícia já não fosse necessária para o modelo novo”, conta.
Sobre o acúmulo de funções, a veterana considera que a pressão constante por produtividade — notadamente pela demanda de escrever para o impresso, o online, a rádio e a TV, veículos com especificidades e linguagens próprias —, impacta a qualidade de vida do profissional. Ela descreve ser comum o profissional que trabalha nas redações ultrapassar o horário previsto na jornada de trabalho em face da necessidade de cumprir seus afazeres, o que acarreta custos de ordem física, intelectual e também emocional.
Embora sejam de gerações diferentes, a repórter Luana Severo, 30 anos, formada em Jornalismo desde 2014, enfrentou dificuldades semelhantes às vividas por Erilene, sobretudo no que toca à necessidade de adaptabilidade e à falta de tempo para executar atividades. Tendo estagiado de 2012 a 2014 na assessoria de comunicação da Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc), ela experimentou grandes mudanças ao sair do órgão público para entrar na redação do O Povo (onde ficou de 2014 a 2019) e, posteriormente, no Sistema Verdes Mares (de 2020 até o presente momento).
Como o ritmo nas redações tende a ser acelerado, uma das maiores dificuldades de trabalhar na área consiste em cumprir tarefas dentro de prazos exíguos. “Achamos que vamos ter um tempo hábil para fazer nosso texto, já que não é apenas a escrita em si, mas a apuração, fotos, vídeos. (...) Mas não é assim. Você precisa sim fazer uma apuração redonda, mas em um tempo muito escasso”, conta Luana.
Outra queixa comum às duas colegas de profissão diz respeito à escolha de pautas, uma vez que a autonomia do jornalista fica, por vezes, cerceada. Os veículos de comunicação têm frequentemente operado sob a forma de grandes conglomerados midiáticos e, à semelhança do que ocorre em qualquer organização sob a lógica capitalista de produção, prezam por seus valores comerciais e políticos, o que pode interferir na produção jornalística e na definição dos critérios de noticiabilidade.
Diante da primazia dos interesses da empresa em detrimento da informação e da ética profissional, Erilene dá o exemplo de como fez, ao longo de sua trajetória, para lidar com tais situações: “não aceitar como normalidade, não me tornar igual, ser resistência no que eu pudesse”.
Adaptabilidade e novas possibilidades no Jornalismo
Para além das redações e das assessorias de imprensa, o jornalismo tem um vasto campo de atuação a oferecer: marketing digital, gerenciamento de redes sociais, agências de fact checking e produção de podcasts são alguns exemplos em voga. Em contramão a esta gama de possibilidades, o mercado de trabalho apresenta distorções. Dentre os desafios com que se deparam os egressos das universidades estão vagas escassas, jornadas extensas, salários irrisórios e elevadas exigências de qualificação técnica.
Num cenário de flexibilização de direitos e precarização de vínculos trabalhistas, muitos dos jornalistas recém-formados encontram dificuldade na inserção no mercado de trabalho. Eis o caso de Hanna Abrante, 26 anos, que concluiu sua graduação em 2021. Ao ingressar no curso, já possuía em sua bagagem profissional uma graduação em Turismo. Atuou na área durante oito anos, embora sonhasse, desde criança, em ser comunicadora. Devido à necessidade de conciliar os estudos com o trabalho, não dispunha de tempo para se engajar em atividades extracurriculares, como projetos de extensão.
O pouco contato direto com o Jornalismo para além das salas de aula e dos laboratórios da faculdade acabou por impactar nas oportunidades de Hanna viver seu sonho inicial de atuar como repórter, ela acredita. Hoje, com o diploma em mãos, trocou a carreira de agente de viagens e passou a trabalhar em uma empresa de produção de mídia que se destina a garantir acessibilidade a produtos midiáticos. Embora sua função gire primordialmente em torno do atendimento a clientes, Hanna considera que a habilidade de comunicar — desenvolvida ao longo da faculdade —, agregada à desenvoltura para lidar com pessoas, é essencial para o desempenho de seu ofício atual.
A trajetória de Hanna é exemplar de algo sintomático: um mercado inchado de jovens graduados que enfrentam a dificuldade de admissão em empresas que exigem experiência prévia, mas que, de forma paradoxal, negam qualquer possibilidade de aquisição dessa mesma experiência pelos novatos na área.
Para superar tal entrave, o domínio de múltiplas habilidades e a capacidade de adaptação são imprescindíveis, como visto nos relatos de Erilene e Luana. Reinventar-se é, portanto, essencial. Ademais, diante de um mercado de trabalho cada vez mais complexo, multifacetado e interdisciplinar, os saberes da Comunicação Social são aplicáveis em outros domínios. Assim, em um mundo em constante transformação, algo permanece imutável: não é só de jornalismo que vivem os jornalistas.
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