JORNALISMO PRETO | Iniciativa de alunos da graduação homenageia Hamilton Cardoso, o “Repórter do Povo”; Fórum surge como espaço de representatividade e acolhimento aos estudantes
Por Rafael Santana*
Entre inseguranças e medos, pessoas pretas e pardas tendem a se questionar se seguir carreira no campo da Comunicação seria uma opção profissional viável, dada a pouca representatividade desse grupo no mercado do jornalismo e na própria graduação.
Foi em meio a esses receios e a muitas conversas que três amigos graduandos de Jornalismo — Geovana Lopes, Grasieler Martins e Xaio Lopes — decidiram criar o primeiro fórum de negros para o curso, o Fórum Hamilton Cardoso.
“O que vemos no jornalismo nacional é uma falta muito grande de jornalistas pretos, com cabelos de preto e de cor preta que estão ocupando aquele local. Então, de que forma eu, na condição de pessoa negra, estaria ocupando esse espaço se eu não vejo outras pessoas negras o ocupando? A ideia [do Fórum] nasce baseada nessa necessidade de representatividade e acolhimento, um espaço para falar e ser escutado”, contextualiza Grasieler Martins.
A proposta inédita na UFC não parte do acaso. Segundo o estudo “Perfil Racial da Imprensa Brasileira”, realizado em 2021 por Jornalistas&Cia, Portal dos Jornalistas, Instituto Corda e I’MAX, somente 20,10% dos profissionais de toda a imprensa brasileira se autodeclararam negras, e 98% desse total afirma enfrentar mais dificuldades em suas carreiras do que seus colegas brancos.
Os dados refletem o racismo estrutural de um país cuja maioria da população (55,5%) é formada por pessoas negras, ou seja, a soma de pardos (45,3%) e pretos (10,2%), segundo o Censo de 2022.
O termo "racismo estrutural" é descrito por Sílvio Almeida — em "Racismo Estrutural" (2020) — como um componente que permeia a organização econômica e política da sociedade, sustentando desigualdades e violência na vida social contemporânea.
Segundo Grasieler Martins, o fórum é também um espaço de reflexão e de estudo, já que, no curso, há poucos professores negros e escasso repertório de autores pretos, o que provoca lacunas para aqueles que não se sentem representados.
“O objetivo é, realmente, politizar e também unificar, tanto que a inspiração do nome desse fórum veio justamente de um jornalista negro que participou ativamente da criação do Movimento Negro Unificado" [MNU], finaliza.
Hamilton Cardoso, o Repórter do Povo
Nascido em 1953, Hamilton Cardoso foi um jornalista e repórter brasileiro que atuou principalmente em rádio e televisão nas décadas de 1970 e 1980. Formado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, em São Paulo, Cardoso é reconhecido por sua dedicação à cobertura de assuntos populares e por seu estilo de reportagem que buscava dar voz às pessoas comuns.
“A gente descobriu que ele escrevia para jornais influentes da época, além de ter feito parte do MNU, lá por 1978. Ele era ativista, analista político e atuava como porta-voz contra o racismo. Então foi uma coisa que a gente bateu assim de cara”, destaca Xaio Lopes.
Hamilton Cardoso ficou conhecido como "Repórter do Povo" por sua contribuição para o jornalismo popular e por abordar as questões sociais no centro das discussões na mídia brasileira.
Uma nova era
A criação do Fórum de Negros é um marco importante para o curso de Jornalismo da UFC, já que os debates sobre representatividade e igualdade ganham, agora, espaço formal, promovido pelos próprios alunos.
Para Adélia Wirtzbiki, estudante de jornalismo e integrante do fórum, a felicidade tomou conta dela ao saber da criação desse espaço, já que antes sentia a necessidade de um lugar que a representasse dentro da universidade.
“Espero que seja um lugar seguro para podermos nos sentir acolhidos e representados em nossas particularidades enquanto alunos negros da UFC, para além de aprendermos muito uns com os outros e termos um espaço para discutirmos melhor as questões raciais e nos tornarmos pessoas mais entendidas e racializadas”, pontua.
Gabriel Lucas, graduando do primeiro semestre, afirma que as expectativas são as melhores. “O fórum dentro do curso de jornalismo é importante para acolher os nossos, para que nós nos sintamos representados e acolhidos de alguma forma, além de refletirmos sobre as nossas vivências, exigindo os nossos direitos”, defende.
“Não existe um espaço dentro do curso para falar sobre racialidade e ancestralidade. Até os projetos de extensão esperam uma pessoa negra entrar para falar sobre tal assunto relacionado. Além disso, a quantidade de alunos declarados pretos ou pardos por aqui não bate com a porcentagem de vagas de cotas raciais disponibilizadas pela Universidade Federal. Cadê essas pessoas?”, indaga Grasieler Martins ao destacar que a luta não para por aqui.
Para entrar no Fórum, não precisa de muita burocracia. Basta se identificar como uma pessoa preta ou parda e ser aluno do curso de Jornalismo da UFC, sendo estendido o convite para aqueles que são autodeclarados em outras graduações espalhadas pela Universidade Federal do Ceará. Os dias e horários das reuniões variam conforme a disponibilidade da maioria dos membros.
Apesar da ansiedade e inseguranças do futuro, o dom de se comunicar ganha espaço no coração desses estudantes que têm um objetivo comum: ser um jornalista atuante em um mundo em que seus valores são medidos de igual para igual, sendo validados para além do tom da pele.
*Rafael Santana é estudante do curso de Jornalismo da UFC e atuou como bolsista vinculado à coordenação do curso | Edição: Robson Braga
Parabéns aos alunos pela criação do Fórum Hamilton Cardoso! Este espaço de representatividade e acolhimento é fundamental para promover a diversidade e o diálogo no curso de Jornalismo da UFC. Para saber mais sobre o fórum e como participar, acesse o link. Que essa iniciativa inspire mudanças positivas e valorize a voz de todos os estudantes!