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A greve é uma forma de se comunicar!

A greve dos servidores, o contexto histórico, o curso de Jornalismo em luta e a importância dos movimentos grevistas.


Por Rafael Santana


Ato no Benfica por recomposição de salários e orçamento das universidades realizada este mês. (Foto: Nah Jereissati/ADUFC)


Os corredores, os bancos, as salas de aula e todos os espaços da Universidade Federal do Ceará (UFC) se encontram vazios e isso é fruto de uma decisão tomada na Assembleia Geral dos Docentes, que aconteceu no último dia 09, onde foi deliberada a deflagração da greve dos docentes em três universidades federais cearense - UNILAB, UFCA e UFC - com 360 votos a favor. 

 

Isso é reflexo de uma outra greve iniciada em 15 de março em todo Brasil: a dos Servidores Técnico-Administrativos de instituições de ensino superior. A causa desse cenário é a ausência de resultados na negociação com o Governo Federal para a reestruturação da carreira, processo que acontece desde o ano passado. Os TAEs formam uma das maiores categorias do serviço público federal, com mais de 200 mil servidores; e é a mais desvalorizada. 


Na UFC, a votação a favor da greve aconteceu no dia 11 de março, entrando em vigor na mesma semana. Diante do impasse na negociação com o governo federal, foi se criando uma grande expectativa para que outras categorias do serviço público federal entrassem em greve nacionalmente. Atualmente as negociações e os próximos passos da greve estão em andamento. 


O futuro incerto sobre o funcionamento da universidade neste semestre é motivo de preocupação e de aprovação por grande parte dos estudantes, principalmente os discentes nos corredores do prédio de Jornalismo. “Acredito que a greve seja essencial para que se alcance as mudanças necessárias. Como aluna temo apenas pelo meu tempo de conclusão que pode ser prejudicado, mas sei também que nada é atingido sem luta, então ainda que não goste de estar sem aula, eu entendo a necessidade da greve”, pontua Adélia Wirtzbiki, graduanda do 5 semestre do curso de Jornalismo. 



Nota de apoio à greve publicada nas redes sociais do Diretório Acadêmico Tristão de Athayde (DATA).



O estudante tem junto a esse cenário atual um local de aprendizado sobre as desigualdades sociais, sobre a necessidade de organização das categorias profissionais e sobre a luta do trabalhador para a conquista dos seus direitos, é o que afirma a jornalista e professora do curso de Jornalismo Kamila Fernandes, que observa a importância da presença dos alunos durante a greve. “O estudante está vivenciando plenamente a cidadania. Ele tem condição de aprender e vivenciar isso, então ele consegue um momento rico também de aprendizagem, não só uma perda de aulas.” finaliza. 


Com a greve, apenas as atividades essenciais estão sendo mantidas com apenas 30% do funcionamento. “Estou na universidade desde 2014, e nesse período passamos por uma grande greve em 2015, mas neste momento, a greve dos TAES é a mais marcante porque o movimento atinge as três universidades cearenses”, afirma Wagner Pires, coordenador geral do SINTUFCE (Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais no Estado do Ceará).



O presente é um reflexo do passado 



 Primeira greve geral do Brasil aconteceu em 1917, e parou fábricas por aumento salarial e melhores condições de trabalho (Foto: Opera Mundi).


O conceito de greve geral no Brasil teve seu início em 1917, quando a insatisfação dos operários resultou na primeira e maior paralisação de trabalhadores do país. Conhecida como Greve Geral, o movimento teve origem em São Paulo e se estendeu por várias capitais, incluindo Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Durante os 30 dias de duração, aproximadamente 70 mil trabalhadores participaram, destacando-se a significativa presença das mulheres operárias.


As greves nas universidades federais do Brasil têm sido uma forma recorrente de protesto ao longo das últimas décadas, com uma série de questões estruturais e conjunturais desencadeando esses movimentos. Isso acontece quando todas as tentativas de diálogo e negociação se esgotam, levando a classe trabalhadora a recorrer à greve como seu instrumento de luta. Ao longo das décadas, os movimentos grevistas têm sido o último recurso em diversas ocasiões. 


Confira abaixo o histórico das greves dos docentes presente no Anexo II do Sindicato Nacional (ANDES):




“As greves têm sempre um ponto em comum: a defesa intransigente da universidade pública. As pautas gravitam em torno disso. A atual, cujo eixo principal é a reformulação da carreira também tem esse sentido: uma carreira forte é a garantia de melhores condições de vida, trabalho e estudo para toda a comunidade acadêmica”, pontua Wagner Pires, também servidor técnico-administrativo da Universidade Federal do Cariri (UFCA).


Para Adélia Wirtzbiki, que antes de ingressar no curso de Jornalismo foi graduanda do curso de Letras na UFC e vivenciou a greve de 2016, existiu uma grande força do movimento na época por conta da grande participação do público docente e discente. “O que vemos hoje é uma greve diferente reivindicando além de melhorias salariais, recomposição do orçamento das universidades federais e equidade de direitos para servidores aposentados. Ainda assim muitos alunos não dão importância ou apoio à luta porque não a consideram sua, mas é uma luta de todos nós”, pontua. 


O curso de Jornalismo em luta 


Exercer o jornalismo é ter nas mãos uma ferramenta de grande importância em movimentos a favor dos direitos da nossa comunidade acadêmica: a comunicação. 


O poder no ato de se comunicar atravessa barreiras e conquista o imaginável. O uso da nossa voz é uma demonstração de luta e resiliência, algo que se manteve presente nas quase 60 décadas da história do curso de Jornalismo da UFC. Além de se manter presente nas manifestações grevistas citadas até aqui, o curso de Jornalismo da UFC vivenciou momentos delicados em sua trajetória, onde estudantes e servidores da época se uniam em prol de um objetivo comum.  


É o que relembra o jornalista, e ex-professor do curso, Ronaldo Salgado. O seu relato é sobre a época em que ainda era docente da UFC, iniciada em 1989, onde atuou e participou ativamente nas greves ocorridas nesse período. 


“Por exemplo, montamos, eu e um conjunto de professores, oficinas de jornalismo nas áreas de jornalismo impresso, radiojornalismo e telejornalismo. Abastecemos as redações dos veículos de comunicação de Fortaleza com boletins de notícias sobre as greves e, ao mesmo tempo, informávamos a comunidade universitária sobre a greve em si e sobre os projetos de pesquisa e extensão em funcionamento na UFC.”, pontua. 


Além disso, ele e toda comunidade do curso de Jornalismo mobilizaram os estudantes a participarem das passeatas e manifestações das greves, incentivando os estudantes a utilizarem o tempo a seu favor.  “Fazíamos oficinas práticas para os estudantes aproveitarem a greve, com produtos jornalísticos. E havia também rodas de conversa com professores convidados e especialistas nas respectivas áreas de atuação.” relembra. 


Uma das fundadoras do curso, a jornalista Adísia Sá, na obra “Subsídios A História do Curso De Comunicação do Ceará”,  descreve um momento delicado na conquista de espaço do curso nos seus anos iniciais. O curso de Jornalismo da UFC desde o seu surgimento, em 1965, até os dias atuais, lida com questões de pertencimento de espaço. 


O ano era 1968, o curso de Jornalismo estava nos seus primeiros anos e ainda não tinha uma sede oficial. A diretoria do curso se localizava na Associação Cearense de Imprensa (ACI), no 5º andar do Edifício Perboyre e Silva, e as aulas ocorriam nas dependências da Faculdade de Farmácia e Odontologia da UFC, à época localizada na rua Barão do Rio Branco, ambos no Centro da capital cearense.


O sonho era ter um prédio próprio e isso parecia estar perto de ser concretizado, tendo em vista o compromisso assumido pelo reitor à época, Fernando Leite, de que o prédio da Faculdade de Farmácia e Odontologia iria ser cedido ao curso de Jornalismo assim que a unidade da área da saúde fosse transferida para o bairro Porangabussu, onde funciona até hoje. 


No entanto, em 1968, o curso de Jornalismo acabou sendo transferido temporariamente para as dependências do Centro de Cultura Portuguesa, no Centro de Humanidades 1 (CH1), no bairro Benfica. Com isso, os estudantes que já contavam com o "Centro Acadêmico Tristão de Ataíde" - nome escolhido em homenagem a Alceu Amoroso Lima, um crítico literário, escritor, professor e intelectual que foi fervoroso defensor dos direitos civis durante a ditadura militar - atuaram com uma grande ocupação e manifestações na sede da Barão do Rio Branco. 


O momento denominava não só a conquista do espaço, mas a pressão dos estudantes contra a proposta, também da Reitoria, de que o curso recém nascido deveria ser fechado. Com muita resiliência, os estudantes de jornalismo da época conquistaram o prédio e garantiram que o curso se mantivesse.


A tomada do prédio e a proposta de fechamento do curso mereceram amplo noticiário na imprensa da época. O certo é que o prédio continuou sendo do curso até a sua mudança para o local onde hoje se encontra, no Centro de Humanidades 2. E isso foi resultado de uma participação ativa dos discentes presentes naquele momento, provando mais uma vez a importância da luta pela conquista de direitos na história da educação. 


A greve é um direito vivo




A greve, como forma de protesto e luta por direitos, desempenha um papel crucial na história das conquistas sociais e na defesa dos interesses da comunidade estudantil. Os movimentos estudantis têm sido uma força motriz por trás de mudanças significativas ao longo dos anos, desafiando injustiças e promovendo avanços tanto dentro das instituições educacionais quanto na sociedade em geral.


“Esses movimentos são importantes na medida em que permitem discutir e dialogar a missão da Universidade junto aos cearenses. E denunciar a situação porque passam as universidades. Precisamos de mais investimento, mais servidoras e servidores e principalmente de maior democracia nos espaços de decisão, com paridade para toda a comunidade acadêmica”, finaliza Wagner Pires. 


É importante reconhecer que esses momentos não são apenas sobre reivindicações internas das instituições de ensino, mas também sobre a defesa dos direitos humanos fundamentais e a construção de um mundo mais equitativo. Eles representam a voz da sociedade em busca de um mundo onde todos tenham acesso a oportunidades iguais e onde os direitos humanos sejam respeitados e protegidos.


Fontes:





2 Comments


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